Um intercâmbio pela paz: pesquisadoras colombianas realizam estudos no Campus Blumenau da UFSC

16/07/2019 15:18

Daniela Montoya Osorio

(Atualizado em 17/07/2019, às 12h53min)

Educar para a paz. A ideia pode parecer incomum, porém já gera bons frutos na Colômbia, país latino-americano que resolveu colocar em prática o velho jargão – porém, não menos atual – de que apenas a educação é capaz de transformar um cenário social de exclusão e violência em inclusão e desenvolvimento.

Durante o mês de junho, o Campus Blumenau da UFSC recebeu duas pesquisadoras colombianas que atuam como docentes de Matemática na educação básica de Medellín. Ángela María Quiceno Restrepo (26 anos) e Daniela Montoya Osorio (27 anos) vivem e lecionam na cidade, que já foi considerada uma das mais violentas do mundo na década de 90 em razão do narcotráfico. Hoje elas auxiliam a manter viva a virada por cima do município, que hoje ostenta um título bem mais positivo: o de mais inovador do mundo.

Ángela María Quiceno Restrepo

Em 2015, por meio de um decreto legislativo, estabeleceu-se que todas as escolas colombianas deveriam ter uma disciplina denominada “Cátedra para a Paz”, como estratégia de propagação da cultura pacífica entre crianças e jovens. Os projetos ligados à componente curricular estão diretamente direcionados aos professores das áreas de ciências humanas, naturais e sociais, algo que está sendo questionado por Ángela e Daniela por meio da pesquisa denominada “Matemáticas, educación y paz en la escuela”, sob orientação da Profª Carolina Tamayo Osorio. Durante dois anos, as pós-graduandas da Universidad de Antioquia pretendem superar a separação entre profissionais das ciências exatas e humanas ao provocar o debate sobre as implicações éticas e práticas da utilização dos conhecimentos matemáticos em conflitos bélicos.

Recepcionadas pelo professor Julio Faria Corrêa, as pesquisadoras realizaram um intercâmbio de um mês no Campus Blumenau da UFSC, período em que também participaram da "Jornada de 27 de Junho", promovida pelo Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagem e Práticas Culturais (PHALA), na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. Aproveitando a troca de experiências, Ángela e Daniela explicam as razões que as levaram a escolher o Brasil como campo de estudo e também as perspectivas de atuação social e educacional proporcionadas pela pesquisa. Leia abaixo:

(Da esq. p/ dir) Daniela, Julio Corrêa e Ángela em evento da área de Educação na Unicamp.

1. O que motivou vocês a trabalharem no tema da paz?

Ángela – Sinto que o trabalho para a paz, com a paz e pela paz é um assunto que compete a todos, especialmente em um país como a Colômbia que viveu tanto tempo entre o conflito. As escolas, hoje em dia, estão cheias de desafios e eu como professora estou envolvida no trabalho da minha turma de matemática com as crianças e na problematização dos aspectos sociais que funcionam em todas as áreas do conhecimento. O Ministério da Educação Nacional da Colômbia sustenta que há disciplinas fundamentais para trabalhar o tema da paz nas escolas e não está incluída a Matemática, então, querer trabalhar a construção da paz em meu ambiente, a partir da Matemática, é um ato de resistência.

Daniela - São muitas as questões que me motivaram a trabalhar em prol da paz, uma das quais foi que uma vez tive experiências próximas com a guerra e, embora não tenha sido diretamente afetada, senti-me tocada. Agora que tive a oportunidade de estudar, senti a necessidade de mobilizar e refletir com os alunos e na escola onde trabalho como forma de contribuir para a paz - tão necessária na Colômbia e que todos nós precisamos. Trabalhar com paz é uma maneira de elevar a voz e falar por aqueles que não foram ouvidos, para ressignificar formas de viver e reconstruir a história do meu fazer e do meu ser a partir da matemática.

Pesquisadoras participam de Jornada em São Paulo com demais docentes brasileiros da área de educação.

2. Por que a escolha pelo Brasil para desenvolvimento da pesquisa?

Ángela - Lembro que desde a minha graduação, fazer um estágio estudantil era uma conquista pessoal indescritível. Agora que estou cursando o mestrado, ter desembarcado no Brasil foi um sonho que se tornou realidade. Nosso trabalho na perspectiva da Filosofia da Linguagem e da Matemática, com a perspectiva de autores como Wittgenstein, Derrida, Deleuze, tem sido muito bem fundamentado neste país. Além disso, um dos nossos principais autores para leitura e construção do nosso trabalho é o professor Julio Corrêa. Portanto, ter a possibilidade de compartilhar alguns espaços acadêmicos com ele foi muito relevante para a pesquisa. Também o divertido e interessante em conhecer o Brasil foi perceber que, como países da América do Sul, compartilhamos muitos problemas sociais semelhantes, nossas escolas, nossos governos ... então a ideia é continuar lutando pelas utopias.

Daniela - Chegar ao Brasil é um evento que não foi planejado recentemente, teve toda uma história, mas vou tentar resumir aqui. Desde que comecei a estudar Educação Matemática antes da graduação que me interessou este país (Brasil). Discutíamos textos de diferentes autores brasileiros e, no grupo de pesquisa (MES) do qual faço parte, alguns haviam tido a experiência de conhecer o Brasil, sua cultura, sua educação e, acima de tudo, aquelas pessoas que nos permitiram ter esse olhar crítico sobre a Matemática e o mundo em si. A partir daí esse interesse começou. Já no mestrado esse desejo aumentou, especialmente porque neste país vivem algumas das nossas referências sobre o trabalho em paz - como os professores Julio Corrêa e Antonio Miguel – que, a partir de suas perspectivas filosóficas, nos mostraram que a paz é uma preocupação não só dos colombianos, mas de todos nós que estamos interessados em um mundo melhor. Ter então a oportunidade de conhecer o Brasil e de nos vermos enriquecidas pelo conhecimento, amizade e hospitalidade foi um fato que, sem dúvida, contribuiu para continuar nesse processo de pensar e trabalhar pela paz.

3. Quais são suas metas para os estudantes da educação básica por meio da pesquisa?

Ángela - Construir a paz na escola tem sido um desafio para todos nós ao procurarmos relações ou até mesmo ao entendermos como estamos usando a Matemática, ou quando problematizamos práticas militares. Tem sido um trabalho complexo, mas satisfatório ao mesmo tempo não só para as crianças, mas também para mim, porque nesse processo eu também me construí e também me desconstruí no sentido de Derrida, aprendi a ver as coisas além do que levamos para a sala de aula. Minha ideia ao fazer a pesquisa com crianças do 5º ano foi mostrar-lhes outras possibilidades, outras formas de ver o mundo, outras maneiras de ver a Matemática além da lista de conteúdos que estão nos planos curriculares das escolas, motivá-las e mostrá-las também algo da história do nosso país.

Daniela - Com esta pesquisa pretendemos problematizar, na aula de Matemática, aspectos que alguns não acreditariam ser possíveis pelo fato de não encontrarem relações. Exatamente, é poder contribuir para a paz a partir e com a Matemática: abrir espaços para reflexão, fazer terapia e desconstruir as ideias estruturadas que nos fizeram ver como naturais, em locais onde não há espaço para novos pensamentos, novas ideias e novos caminhos. Até certo ponto, é possível que os alunos enxerguem além do que acontece na escola e sejam capazes de lidar com os problemas de seus contextos externos à Matemática como uma prática social.

4. Quais perspectivas vocês veem para uma maior participação dos professores e profissionais das ciências exatas na resolução dos problemas sociais?

Ángela – Eu sinto que devemos começar quebrando a ideia de que Matemática tem a ver com a realidade, mas não com os problemas sociais reais. Parar de vermos as "Ciências Exatas" como um conjunto de conteúdos conceituais que se comportam de uma maneira determinada, porque isso implica não vê-las envolvidas nas práticas sociais que os seres humanos realizam em seus diferentes contextos.

Daniela – A partir de nossa pesquisa, claramente observamos que é fundamental falarmos da Filosofia da Educação Matemática e da Filosofia da Linguagem, desde qualquer área de conhecimento, porque ao trabalharmos com elas estamos rompendo padrões, desconstruindo ideias e pensamentos que se instauraram precisamente a partir das concepções das ciências exatas. Ousamos problematizar práticas sociais como a paz e a guerra a partir da área da Matemática, esta que tem sido tratada como uma das mais formalistas das ciências. Portanto, consideramos que a perspectiva filosófica de Wittgenstein é uma grande possibilidade para professores e alunos pensarem sobre os problemas da sala de aula desde uma área específica.

 

(Camila Collato/Comunicação UFSC Blumenau, com informações Julio Faria Corrêa)

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