Servidora da UFSC Blumenau coleta amostras em escavações no antigo DOI-Codi em São Paulo

18/08/2023 13:42

Foto: arquivo pessoal

Na semana passada, de 7 a 12 de agosto, a servidora Maryah Elisa Morastoni Haertel, técnica de laboratório de Física da UFSC Blumenau, esteve em São Paulo para participar das escavações do prédio onde funcionava o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O trabalho faz parte de uma pesquisa que envolve profissionais de diversas universidades brasileiras. Apesar de não ser o único (haviam DOI-Codi em quase todos os estados durante o período da ditadura militar), o de São Paulo foi o primeiro e um dos mais ativos centros de tortura, interrogatório, assassinato e desaparecimento do país.

A pesquisa Arqueologias do DOI-Codi do II Exército de São Paulo: leituras plurais da repressão e da resistência tem como objetivo implementar uma pesquisa arqueológica (histórica e forense) sobre as antigas instalações da unidade. A partir dela, será possível produzir conhecimento e entendimento dos mecanismos adotados pelo órgão e suas conexões com outros espaços de tortura, tanto no Brasil como na América Latina, para que a sociedade possa compreender o papel do DOI-Codi durante a ditadura militar e o impacto das ações operadas no local sobre as vítimas e seus familiares.

Foto: Rubens Cavallari/Folhapress

O trabalho dos pesquisadores envolve diferentes frentes. Uma delas é a pesquisa de documentos e entrevistas com pessoas que vivenciaram experiências nesse ambiente durante o período estudado, inclusive vizinhos, já que o prédio fica em uma área residencial na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Também estão sendo empregadas metodologias advindas do campo da Arqueologia Forense para detecção de evidências para identificação de vestígios de tortura. Posteriormente, serão realizadas as etapas de genética forense (no caso de localização de evidência de sangue), arqueologia da arquitetura para compreensão dos espaços utilizados e escavação do subsolo do conjunto arquitetônico para busca de evidências das ações desenvolvidas nesses ambientes.

Possíveis vestígios

Maryah faz parte do núcleo de Arqueologia Forense, coordenado pela professora Claudia Plens, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Embora eu não seja arqueóloga, fui convidada para participar pela minha experiência com as tecnologias utilizadas para rastreamento de vestígios biológicos. Ou seja, eu utilizei diferentes técnicas em alguns locais do prédio para tentar rastrear vestígios de cunho biológico (saliva, sangue, urina, entre outros) que podem ter sido produzidos em centros de tortura e podem ainda ter ficado no prédio”, explica. A principal atuação de Maryah foi no segundo andar do prédio, em salas que mostraram pouca modificação em relação ao piso original, e que foi possível chegar a ele retirando camadas do piso atual.

Foto: arquivo pessoal

A pesquisadora conta que foi até São Paulo realizar esse trabalho sabendo que haveria uma mínima probabilidade de encontrar alguma coisa. “A verdade é que o prédio foi modificado e utilizado por outro instituto após seu período como DOI-Codi, além de ter ficado um tempo abandonado após seu tombamento histórico. Porém, eu acredito que é um trabalho que necessitava ser realizado: se você fosse parente de alguém preso, ou algum dos presos, você não gostaria que uma pesquisa séria fosse ao local ajudar a materializar todos os relatos das barbáries ocorridas naquele lugar? Estima-se que mais de sete mil presos passaram pelo local. É em respeito à memória de cada um que passou (e sofreu) por lá”, relata.

Porém, durante a coleta de amostras, alguns pontos deram positivo. “Neste momento da pesquisa ainda não é possível afirmar que foram encontrados vestígios biológicos. Foram utilizadas luzes forenses e aplicação de luminol, porém um positivo apenas significa ser um local/material de interesse e que merece mais investigação. Esse procedimento foi exatamente o que foi realizado: colhemos amostras que passarão por uma análise laboratorial”, explica Maryah. O luminol reage com substâncias metálicas, orgânicas ou não. No caso do sangue, o ferro das hemoglobinas é o que faz com que a solução emita luz.

A análise do material coletado será a próxima etapa da pesquisa. “Ainda estamos estabelecendo quais são as melhores técnicas a serem aplicadas. Além disso, essa coleta inicial foi realizada em espaços de sondagem, ou seja, aberturas pequenas no piso para entender o que havia por baixo. Com os resultados obtidos, estamos estudando a possibilidade de ampliar essas áreas e realizar novas coletas”, revela a pesquisadora.

Materialização dos relatos

Foto: Rubens Cavallari/Folhapress

Além dos vestígios que ainda serão analisados em laboratório, os pesquisadores encontraram também inscrições na parede após a decapagem das camadas de tinta do prédio, que aparenta ser de um calendário. Além disso, foram encontrados mais de 300 objetos antigos, como papéis de bala, solas de sapato, frascos de tinta para caneta e carimbo, fragmentos de louças, entre outros. A ideia é que, ao final da pesquisa e entrega do relatório final, o local seja transformado em um memorial, com exposição das peças encontradas, a fim de preservar a memória e a verdade sobre o período da ditadura no Brasil.

“O trabalho realizado até aqui por toda a equipe, que era majoritariamente feminina, foi fenomenal. Eram mais de 25 pessoas trabalhando em três frentes distintas, todos de forma voluntária. Os resultados obtidos pelas outras frentes também foram muito expressivos. Mas acima de tudo, o projeto está conseguindo materializar os relatos dos presos do local”, avalia Maryah.

Marco histórico

Foto: arquivo pessoal

Na pesquisa realizada no DOI-Codi, é a primeira vez que a Arqueologia Forense é aplicada no Brasil. “Isso, por si só, já é um grande feito. Além disso, foram desenvolvidos métodos para que este estudo fosse viabilizado, para que fosse possível de ocorrer. Então há uma importância histórica considerando os achados e sua importância para contar a história da ditadura no Brasil, mas também na criação de métodos para a aplicação desses mesmo processos em outros locais de repressão”, pontua Maryah.

A pesquisa teve grande cobertura pela imprensa nacional. Duas equipes acompanharam o trabalho dos pesquisadores durante todo o período de escavações, que foi de 2 a 14 de agosto. Uma delas irá produzir um documentário e outra uma edição do programa Profissão Repórter da TV Globo. Para auxiliar na divulgação dos resultados alcançados, também foi criado um perfil da pesquisa no Instagram (@arqueodoicodisp).

Serviço de Comunicação UFSC Blumenau

Tags: arqueologia forenseditaduraDOI-CodiPesquisa

Servidora da UFSC Blumenau participa de pesquisa em centro de tortura da ditadura militar

22/08/2022 11:13

Foto: Aline Lourenço Campanha/Memorial da Resistência de SP

A servidora Maryah Elisa Morastoni Haertel, técnica de laboratório de Física do Campus Blumenau da UFSC, é uma das integrantes da equipe que pesquisará, usando a arqueologia forense, o prédio onde funcionava o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. Para o local eram levados e torturados os presos durante o período da ditadura militar.

O objetivo da pesquisa é ampliar o conhecimento científico em relação ao local e ao que aconteceu ali naquela época, além de esclarecer fatos de possíveis violações de direitos humanos à sociedade. A ideia é preservar a memória para que as futuras gerações conheçam a história e percebam o valor da democracia. A pesquisa também buscará identificar desaparecidos políticos por meio de exames de DNA, caso isso seja possível.

Intitulada "Arqueologias do DOI-Codi do II Exército (São Paulo): leituras plurais da repressão e da resistência", a pesquisa é coordenada pela professora Cláudia Regina Plens, do Laboratório de Estudos Arqueológicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e inclui pesquisadoras - todas mulheres - de mais cinco universidades. Essa é a primeira vez que um centro de tortura da ditadura militar no Brasil será pesquisado por meio da arqueologia forense, que é a aplicação de métodos e técnicas arqueológicos e forenses para o esclarecimento de acontecimentos, fatos e possíveis crimes ocorridos.

Foto: Aline Lourenço Campanha/Memorial da Resistência de SP

Maryah será a pesquisadora responsável por fazer o rastreamento forense das instalações. Ela conta que o objetivo é identificar traços de sangue ou outros fluídos e impressões digitais latentes de pessoas que foram torturados no local. “Vamos procurar também escritas feitas pelos presos nas paredes na época. Hoje em dia já temos como encontrar esse tipo de registro, mesmo que várias camadas de tinta tenham sido aplicadas”, explica.

Em outubro Maryah viaja para São Paulo, onde permanecerá por uma semana fazendo a coleta de amostras. “Estou feliz e ao mesmo tempo nervosa e ansiosa para realizar esse trabalho. Com certeza será de grande importância histórica para o Brasil”, finaliza Maryah. A análise dos dados, a determinação dos resultados obtidos e a confecção do relatório serão feitos na UFSC Blumenau.

O projeto de pesquisa foi registrado e aprovado pelo Campus Blumenau da UFSC e está formalizado no Sistema Integrado de Gerenciamento de Projetos de Pesquisa e de Extensão (Sigpex).

Sobre o DOI-Codi

O DOI-Codi surgiu a partir da Operação Bandeirante, criada de forma clandestina em 1969 para coordenar ações de repressão a indivíduos e organizações. No ano seguinte, a operação foi oficializada, agora com o nome de Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna. Sob o comando do Exército e com unidades em todo o país, também reunia integrantes das polícias militares e civis estaduais.

Em São Paulo, o DOI-Codi funcionava em um prédio pequeno, de três andares, localizado na rua Tutóia, no mesmo terreno onde funciona o 36° Distrito Policial. Na década de 70 e início de 80, o local abrigava as pessoas que eram presas por se oporem ao regime militar. Lá foi encontrado o corpo do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Apesar de não ser o único, estima-se que a unidade paulista do DOI-Codi tenha sido um dos mais ativos centros de tortura, interrogatório, assassinato e desaparecimento do país.

O prédio passou por várias reformas e pinturas ao longo dos anos. Em 2014, foi tombado pelo patrimônio histórico e, em 2021, uma decisão judicial determinou a preservação dos elementos estruturais e arquitetônicos da edificação. A mesma decisão também determina que o local seja transformado em um memorial da ditadura, o que deve acontecer ao final da pesquisa.

Pesquisadora reconhecida

Prêmio que Maryah recebeu nos Estados Unidos. Foto: arquivo pessoal

Maryah foi convidada a integrar o projeto devido a sua relevância como pesquisadora na área de Metrologia, especialmente em sistemas de medição que utilizam técnicas ópticas. Nascida em Blumenau, ela possui bacharelado em Física (2006), licenciatura em Física (2013), mestrado em Metrologia Científica e Industrial (2009), doutorado em Engenharia Mecânica (2015) e pós-doutorado, todos pela UFSC.

Em 2020, recebeu o Prêmio Jovem Cientista Forense Internacional (Internacional Young Forensic Science Scholarship) da Academia Brasileira de Ciências Forenses (ABCF), Associação Nacional de Peritos Criminais Federais e Fredric Rieders Family Foundation durante o 72º Encontro Científico Anual da Academia Americana de Ciências Forenses (AAFS). O evento foi realizado em Anaheim, na Califórnia, nos Estados Unidos, e foi lá que ela conheceu a professora Cláudia, coordenadora da pesquisa no DOI-Codi.

Dispositivo de Haertel sendo utilizado em uma medição em laboratório. Foto: arquivo pessoal

O trabalho premiado foi Using a Smartphone Special Gadget to Find and Collect Latent Fingerprints: Simplifying the Process (Usando um gadget junto a um smartphone para rastrear e coletar impressões digitais latentes: simplificando o processo), em que ela desenvolveu um protótipo de um equipamento para identificar impressões digitais em superfícies lisas, nomeado como “dispositivo de Haertel”.

Ao contrário do modelo tradicional de papiloscopia, que utiliza pó para identificação de digitais, o equipamento desenvolvido por Maryah é de baixo custo e utiliza apenas um smartphone para identificar impressões digitais com precisão. Os pós geralmente utilizados são muito caros, não podem ser inalados e ainda são difíceis de comprar, pois são produtos de venda controlada. “Existem vários tipos deles, para cada tipo de superfície é utilizado um pó com uma composição diferente, o que é bastante problemático”, explica Maryah.

Durante a pesquisa no DOI-Codi, Maryah poderá comparar e avaliar os métodos tradicionais de busca por resíduos hemáticos e impressões digitais latentes com o protótipo criado por ela.

Serviço de Comunicação UFSC Blumenau

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