Servidora da UFSC Blumenau participa de pesquisa em centro de tortura da ditadura militar
A servidora Maryah Elisa Morastoni Haertel, técnica de laboratório de Física do Campus Blumenau da UFSC, é uma das integrantes da equipe que pesquisará, usando a arqueologia forense, o prédio onde funcionava o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo. Para o local eram levados e torturados os presos durante o período da ditadura militar.
O objetivo da pesquisa é ampliar o conhecimento científico em relação ao local e ao que aconteceu ali naquela época, além de esclarecer fatos de possíveis violações de direitos humanos à sociedade. A ideia é preservar a memória para que as futuras gerações conheçam a história e percebam o valor da democracia. A pesquisa também buscará identificar desaparecidos políticos por meio de exames de DNA, caso isso seja possível.
Intitulada "Arqueologias do DOI-Codi do II Exército (São Paulo): leituras plurais da repressão e da resistência", a pesquisa é coordenada pela professora Cláudia Regina Plens, do Laboratório de Estudos Arqueológicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e inclui pesquisadoras - todas mulheres - de mais cinco universidades. Essa é a primeira vez que um centro de tortura da ditadura militar no Brasil será pesquisado por meio da arqueologia forense, que é a aplicação de métodos e técnicas arqueológicos e forenses para o esclarecimento de acontecimentos, fatos e possíveis crimes ocorridos.
Maryah será a pesquisadora responsável por fazer o rastreamento forense das instalações. Ela conta que o objetivo é identificar traços de sangue ou outros fluídos e impressões digitais latentes de pessoas que foram torturados no local. “Vamos procurar também escritas feitas pelos presos nas paredes na época. Hoje em dia já temos como encontrar esse tipo de registro, mesmo que várias camadas de tinta tenham sido aplicadas”, explica.
Em outubro Maryah viaja para São Paulo, onde permanecerá por uma semana fazendo a coleta de amostras. “Estou feliz e ao mesmo tempo nervosa e ansiosa para realizar esse trabalho. Com certeza será de grande importância histórica para o Brasil”, finaliza Maryah. A análise dos dados, a determinação dos resultados obtidos e a confecção do relatório serão feitos na UFSC Blumenau.
O projeto de pesquisa foi registrado e aprovado pelo Campus Blumenau da UFSC e está formalizado no Sistema Integrado de Gerenciamento de Projetos de Pesquisa e de Extensão (Sigpex).
Sobre o DOI-Codi
O DOI-Codi surgiu a partir da Operação Bandeirante, criada de forma clandestina em 1969 para coordenar ações de repressão a indivíduos e organizações. No ano seguinte, a operação foi oficializada, agora com o nome de Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna. Sob o comando do Exército e com unidades em todo o país, também reunia integrantes das polícias militares e civis estaduais.
Em São Paulo, o DOI-Codi funcionava em um prédio pequeno, de três andares, localizado na rua Tutóia, no mesmo terreno onde funciona o 36° Distrito Policial. Na década de 70 e início de 80, o local abrigava as pessoas que eram presas por se oporem ao regime militar. Lá foi encontrado o corpo do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Apesar de não ser o único, estima-se que a unidade paulista do DOI-Codi tenha sido um dos mais ativos centros de tortura, interrogatório, assassinato e desaparecimento do país.
O prédio passou por várias reformas e pinturas ao longo dos anos. Em 2014, foi tombado pelo patrimônio histórico e, em 2021, uma decisão judicial determinou a preservação dos elementos estruturais e arquitetônicos da edificação. A mesma decisão também determina que o local seja transformado em um memorial da ditadura, o que deve acontecer ao final da pesquisa.
Pesquisadora reconhecida
Maryah foi convidada a integrar o projeto devido a sua relevância como pesquisadora na área de Metrologia, especialmente em sistemas de medição que utilizam técnicas ópticas. Nascida em Blumenau, ela possui bacharelado em Física (2006), licenciatura em Física (2013), mestrado em Metrologia Científica e Industrial (2009), doutorado em Engenharia Mecânica (2015) e pós-doutorado, todos pela UFSC.
Em 2020, recebeu o Prêmio Jovem Cientista Forense Internacional (Internacional Young Forensic Science Scholarship) da Academia Brasileira de Ciências Forenses (ABCF), Associação Nacional de Peritos Criminais Federais e Fredric Rieders Family Foundation durante o 72º Encontro Científico Anual da Academia Americana de Ciências Forenses (AAFS). O evento foi realizado em Anaheim, na Califórnia, nos Estados Unidos, e foi lá que ela conheceu a professora Cláudia, coordenadora da pesquisa no DOI-Codi.
O trabalho premiado foi Using a Smartphone Special Gadget to Find and Collect Latent Fingerprints: Simplifying the Process (Usando um gadget junto a um smartphone para rastrear e coletar impressões digitais latentes: simplificando o processo), em que ela desenvolveu um protótipo de um equipamento para identificar impressões digitais em superfícies lisas, nomeado como “dispositivo de Haertel”.
Ao contrário do modelo tradicional de papiloscopia, que utiliza pó para identificação de digitais, o equipamento desenvolvido por Maryah é de baixo custo e utiliza apenas um smartphone para identificar impressões digitais com precisão. Os pós geralmente utilizados são muito caros, não podem ser inalados e ainda são difíceis de comprar, pois são produtos de venda controlada. “Existem vários tipos deles, para cada tipo de superfície é utilizado um pó com uma composição diferente, o que é bastante problemático”, explica Maryah.
Durante a pesquisa no DOI-Codi, Maryah poderá comparar e avaliar os métodos tradicionais de busca por resíduos hemáticos e impressões digitais latentes com o protótipo criado por ela.
Serviço de Comunicação UFSC Blumenau