A Comissão Permanente do Vestibular (Coperve) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) divulgou nesta sexta-feira, 1º de abril, o programa de disciplinas para o Vestibular 2023. Além da lista de leituras obrigatórias, o documento traz o conteúdo programático utilizado na elaboração das provas de cada disciplina. O Vestibular UFSC 2023 está agendado para os dias 10 e 11 de dezembro (sábado e domingo).
> Confira aqui o programa de disciplinas
Para os livros obrigatórios, a Coperve recomenda a leitura integral das obras, bem como o desenvolvimento da capacidade de análise e interpretação de textos e o reconhecimento de aspectos próprios aos diferentes gêneros. É indicado também que o candidato conheça o contexto histórico, social, cultural e estético de cada obra. Confira a lista:
Sobre as obras
Pauliceia desvairada, Mário de Andrade
O ano de 2022 é marcado por uma dupla comemoração: o bicentenário da independência do Brasil e o centenário da Semana de Arte Moderna, esta última realizada no Theatro Municipal de São Paulo, em 1922. O evento e as discussões que gerou ao longo desses cem anos são fundamentais para a compreensão das artes e da modernidade brasileiras. Publicado no mesmo ano da Semana de 22, “Pauliceia desvairada” é o primeiro livro publicado e assinado por Mário de Andrade com seu próprio nome. O autor ironicamente dedica o livro “Ao Mestre” – que é ele mesmo – ou outra máscara entre as tantas que usa. Os 22 poemas em que São Paulo se torna a musa moderna e desvairada do poeta (“Pauliceia”) são antecedidos pelo “Prefácio interessantíssimo”, importante texto em prosa fragmentada no qual Mário expõe os pressupostos estéticos de seu pensamento sobre poesia. O livro é fundamental, ainda, na ruptura estética com a métrica tradicional.
Crônicas para jovens: de amor e amizade, de Clarice Lispector
No ano de 2020 comemora-se o centenário do nascimento de Clarice Lispector, uma das mais emblemáticas escritoras da literatura brasileira. Reconhecida pela crítica por uma produção narrativa de contornos filosóficos e reflexivos, marcada por fluxos de consciência e monólogos interiores, Lispector desponta como uma das mais singulares vozes da literatura brasileira. Suas crônicas, todavia, revelam outra faceta da escritora, muito mais leve e prosaica do que a que encontramos em obras com a densidade de “Perto do coração selvagem” (1943), “A paixão segundo G. H.” (1974) ou “A hora da estrela” (1977). “Crônicas para jovens: de amor e de amizade” é uma edição contemporânea, com seleção de textos idealizada para o público jovem por Pedro Karp Vasquez, no ano de 2010. A coletânea é composta por crônicas publicadas pela autora entre agosto de 1967 e dezembro de 1974, período em que escreveu para o Jornal do Brasil. Evidencia como, em diálogo constante com leitores e suas sugestões, desafiou as convenções do gênero crônica, razão pela qual a referida coletânea permite não apenas uma reflexão sobre esse gênero textual tão fluido e ligado ao seu tempo que é a crônica, mas também sobre temas muito caros à autora, que capta com sensibilidade e singularidade o estar no mundo: um delicado cotidiano de relações interpessoais em que há lugar para sentimentos, pensamentos e considerações sobre o amor, a saudade, a escrita, a solidão, o tempo, a amizade e a liberdade, características que asseguram a atemporalidade de seus escritos.
Negro, de Cruz e Souza (Org. Zilma Gesser Nunes)
Cruz e Souza é hoje um dos mais conhecidos escritores catarinenses, em função da qualidade artística de seu trabalho. Apenas após sua morte foi sendo, aos poucos, reconhecido pela crítica como o maior expoente do Simbolismo no país, por seu trabalho com a musicalidade dos versos, o misticismo e o hermetismo de símbolos e metáforas. Nascido em Desterro, filho de alforriados, viveu em um contexto absolutamente racista, condição que marcaria sua vida e sua poética, levando-o a se mudar para o Rio de Janeiro no fim do século XIX, onde publicou seus livros de poemas. A obsessão pela cor branca (ou a identidade branca), qualidade essencial à época para aceitação e ascensão social, transforma-se em um dos traços mais marcantes de seu projeto estético, uma escolha que lhe renderia inúmeras críticas sob a suspeita de não valorizar a história de seus antepassados. Ao reunir poemas que evocam o que é ser negro na poesia de Cruz e Souza, a coletânea organizada pela pesquisadora Zilma Gesser Nunes dirime quaisquer dúvidas, evidenciando como o poeta esteve engajado durante toda a vida na luta pela abolição da escravidão e contra o racismo no Brasil, um debate ainda necessário e atual no país em que vivemos.
Boca do inferno, de Ana Miranda
Dedicado ao amigo Rubem Fonseca, Boca do inferno (1989) foi a obra de estreia da escritora Ana Miranda, premiada na ocasião com seu primeiro Prêmio Jabuti. Para escrever o romance acerca do grande poeta baiano Gregório de Matos Guerra, a autora apagou fronteiras entre ficção e história, o que lhe permitiu traçar um painel do Barroco no Brasil, uma escola artística marcada pela transposição dos campos da política, da religiosidade e da arte. Resulta dessa intensa pesquisa documental, coroada por um meticuloso tratamento literário, a recriação tanto do tempo e do espaço quanto da linguagem rebuscada da época. Essa técnica se faria presente em obras posteriores, como “Desmundo” (1996), sobre o início do Período Colonial no Brasil, “Amrik” (1997), em que aborda com escrita poética e fluída a vinda de imigrantes árabes para as Américas, e, mais especialmente, “Dias & Dias” (2002), cujo enfoque é uma visão feminina sobre o escritor Gonçalves Dias, expoente do Romantismo brasileiro. Protagonista de “Boca do Inferno”, Gregório de Matos compartilha com o leitor o olhar de escárnio com o qual o poeta maldito transitava pela São Salvador do século XVII. Não se trata, porém, da única personagem histórica do romance. Padre Antônio Vieira, aclamado orador, que se colocava em defesa dos indígenas, também ganha as páginas de Ana Miranda, bem como o governador-geral Antonio de Souza Menezes. Ao lado de tais personagens, porém, se perfilam anônimos e desconhecidos notoriamente ficcionais, que auxiliam no desenrolar da trama sobre a conspiração contra a autoridade que representava a coroa portuguesa na cidade. É ao recriar esse período marcado pela busca do ouro, inquisição, censura, escravidão, jogos de poder e corrupção que Ana Miranda mais nos aproxima de um Gregório que pode ser tanto lírico e religioso quanto satírico e até escatológico, como podemos observar em “Inconstância das coisas do mundo”, “A Jesus Cristo, nosso Senhor” e “Triste Bahia, ó quão dessemelhante…”, poemas de um autor que corria a cidade na boca do povo, sendo redescoberto quase dois séculos depois para integrar nossos cancioneiros nacionais e compor esse romance histórico, porque ainda têm muito a nos dizer.
Fazenda Modelo, de Chico Buarque
Vencedor do Prêmio Camões pelo conjunto de sua obra, Chico Buarque, conhecido cantor e compositor de música popular brasileira, foi consagrado em 2019 como um dos mais importantes escritores de literatura de língua portuguesa da contemporaneidade. É autor de obras em diversos gêneros, entre as quais destacam-se a “Ópera do malandro” (1974), os romances “Budapeste” (2003), “O irmão alemão” (2014), e a peça teatral “Calabar”, em colaboração com Ruy Guerra. “Fazenda Modelo” (1974), elaborada durante o período do “Milagre Econômico” da ditadura civil-militar no Brasil, narra transformações operadas na vida de um grupo de animais em uma fazenda de gado na qual é implementado um projeto de modernização da produção. Nesse contexto, os animais veem processos até então naturais – como acasalar, emprenhar, amamentar e cuidar dos novilhos – serem regulados por métodos assépticos, impessoais e, sobretudo, lucrativos. Em meio à mecanização crescente, sobressaem-se a luta de classes, o aparato repressivo e a mercantilização da vida de vacas, bois e bezerros que se revelam a um só tempo trabalhadores alienados e mercadoria a ser negociada. Passadas mais de quatro décadas de sua publicação, “Fazenda Modelo” mantém-se uma distopia atual: potente sátira sobre uma nova ordem econômica e social imposta por uma pequena elite em detrimento do bem estar coletivo.
Ânsia eterna, de Júlia Lopes de Almeida
Publicada originalmente em 1903, com última versão revista pela autora em 1938, a coletânea de contos “Ânsia eterna” é um dos títulos destacados de uma importante escritora brasileira da virada do século XIX para o XX. Num tempo em que os meios literários e culturais eram (ainda mais) hegemonizados por homens brancos e das elites, Júlia, republicana e abolicionista, foi uma das mulheres que ocupou importante lugar nos debates sociais, em especial como colunista nos jornais. Foi uma das mentoras da Academia Brasileira de Letras, de cuja fundação seu marido participou. Ela mesma, no entanto, não ingressou na ABL, pois a entidade permaneceu exclusivamente masculina até a eleição de Rachel de Queiroz, em 1977. Dividiu páginas de jornal e salões com figuras conhecidas como Machado de Assis e Olavo Bilac. Foi, ainda, das pioneiras da escrita de textos destinados ao público infantil em nosso país. Invisibilizada por nossa historiografia literária, ainda que de qualidade reconhecida em apreciações de críticos severos de seu tempo, Júlia merece atenção não apenas por ter sido atravessada pelas tendências realistas e naturalistas de fim de século, como, no caso deste livro, mas pelo olhar singular que dedica ao fantástico, à morte e ao grotesco. Em vários dos contos, alguns dos quais incluídos em grandes antologias, como “A caolha”, a escritora lança seu olhar sobre as já corroídas regras que pautavam o lugar da mulher nas relações amorosas e na sociedade, o matrimônio e a maternidade, ora assumindo a perspectiva de personagens masculinos, ora femininos. Temas como a relação entre amor e morte e a atmosfera sobrenatural são atrativos para que o jovem possa se interessar pela escrita de Júlia Lopes de Almeida, que certamente deveria ser mais conhecida dos leitores brasileiros.
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